RUSSELL, B. A autoridade e o indivíduo.pdf

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A AUTORIDADE E O INDIVÍDUO
Bertrand Russell
www.sabotagem.cjb.net
AS CONFERÊNCIAS REITH
Em julho de 1947, o Diretor Geral da British Broadcast Corporation,
Sir
William Haley, anunciou a
inauguração de uma série anual de conferências radiofônicas, que tomaram o nome de
Conferências Reith.
Todos os anos, uma reconhecida autoridade em determinado setor da cultura − sociologia,
literatura, história, administração pública ou economia − é convidado a empreender algum estudo
ou pesquisa original sobre certo assunto e apresentar aos ouvintes os resultados numa série de
transmissões radiofônicas. Essa iniciativa teve por fim não apenas ser o auge dos esforços
constantes da BBC no campo das palestras seriadas, mas também tornar−se uma instituição
nacional valiosa no sentido de aumentar o acervo de conhecimento e estimular o debate de idéias
num círculo cada vez mais amplo.
Ao falar sobre a decisão dos dirigentes da BBG de dar o nome das conferências em homenagem a
Lord
Reith, disse
Sir
William: "Na história da radiodifusão inglesa, um nome ha que se coloca acima
de todos os demais. O que o povo deste pais deve à visão do homem que foi o pioneiro da
radiodifusão inglesa está ainda por ser devidamente avaliado. Sua concepção quanto ao que deve
ser
a radiodifusão, dos ideais a que deve servir e do padrão que deve atingir, foi uma das grandes
ações sociais do nosso tempo. Nada seria mais apropriado do que ligar o nome do fundador da
BBC ao mais sério esforço que ela já fez no sentido de utilizar a radiodifusão no campo das idéias."
NOTA PREFACIAL
Na preparação dessas conferências tive o privilégio da ajuda vital de minha esposa, Patricia
Russell, não apenas quanto a pormenores, mas quanto às idéias gerais e sua aplicação às
circunstâncias da época atual.
B.R.
PRIMEIRA CONFERÊNCIA
COESÃO SOCIAL E NATUREZA HUMANA
O problema fundamental que tenho em vista considerar nestas conferências é este: como podemos
combinar o grau de iniciativa individual, necessária para o progresso, com o grau de coesão social
que é necessário para a sobrevivência? Começarei com o estudo dos impulsos da natureza
humana que possibilitam a cooperação social. Examinarei em primeiro lugar as formas que esses
impulsos assumiram nas comunidades muito primitivas, e depois as adaptações que foram
ensejadas pelas organizações sociais gradualmente cambiantes da civilização em
desenvolvimento. Em seguida examinarei o grau e intensidade da coesão social em várias épocas
e lugares, conducentes às comunidades dos dias atuais e às possibilidades de ulterior
desenvolvimento em futuro não muito remoto. Após esta análise das forças que mantém a
sociedade coesa, tratarei de outro aspecto da vida do Homem nas comunidades, isto é, a iniciativa
individual, mostrando o papel que ela tem desempenhado nas várias fases da evolução humana, o
papel que desempenha nos dias atuais, e as possibilidades futuras de muita ou pouca iniciativa por
parte de indivíduos e grupos. Prosseguirei com um dos problemas básicos da atualidade, a saber,
o conflito que a tecnologia moderna acarretou entre a organização social e a natureza humana a
tecnologia moderna acarretou entre a organização social e a natureza humana, ou, em outras
palavras, o divórcio do móvel econômico em relação aos impulsos de criação e posse. Uma vez
enunciado este problema, examinarei quais as alternativas para a sua solução, e por fim,
examinarei, do ponto de vista da ética, toda a relação do pensamento, esforço e inventiva pessoais
para com a autoridade da comunidade.
A unidade do grupo e a cooperação no seio dele baseiam−se parcialmente no instinto, em todos os
animais sociais, inclusive o Homem. Esse instinto acha−se mais desenvolvido nas formigas e
abelhas, as quais, ao que parece, jamais tentaram ações anti−sociais e nunca se
desencaminharam da dedicação ao ninho ou à colmeia. Ate certo ponto podemos admirar essa
incontestavel devoção ao dever público, mas devemos reconhecer que ela tem defeitos: formigas e
abelhas não produzem grandes obras de arte, nem fazem descobrimentos científicos nem fundam
religiões que ensinam que todas as formigas são irmãs. Na verdade, sua vida social e mecânica,
rigorosa e estática. Será necessário que a vida humana tenha um tanto de turbulência se
quisermos fugir à estagnação evolucionaria.
O homem primitivo era uma espécie frágil e rara, cuja sobrevivência a princípio foi precária. Em
certa época, seus antepassados desceram das arvores e perderam a vantagem de possuir pés
preênseis, mas adquiriram a vantagem de ter braços e mãos. Graças a essas transformações eles
adquiriram o privilegio de não mais ter que habitar apenas as florestas; mas por outro lado os
espaços abertos em que se disseminaram proporcionavam alimentação menos abundante do que
tinham à sua disposição nas florestas tropicais da África.
Sir
Arthur Keith calcula que o homem
primitivo precisava de duas milhas quadradas de terra por indivíduo para abastecer−se de
alimento, e outras autoridades são de opinião que essa área devia ser até maior. A julgar pelos
macacos antropóides, e pelas comunidades mais primitivas que chegaram até nossos dias, os
primeiros homens devem ter vivido em pequenos não muito maiores que famílias − grupos que, por
hipótese, podemos estimar em, digamos, 50 a 100 indivíduos. Dentro de cada um desses grupos
deve ter havido considerável grau de cooperação, mas com todos os grupos da mesma espécie
havia hostilidade, toda vez que entrassem em contato. Na medida em que os homens continuavam
escassos, o contato com outros grupos podia ser raro, e, no mais das vezes, o encontro não devia
ser muito importante. Cada grupo tinha seu próprio território, e os conflitos só deviam ocorrer nas
fronteiras.
Naquelas primeiras épocas o casamento parece ter−se limitado ao grupo, de modo que deve ter
havido procriação de vulto, e as variedades da espécie, embora originadoras, tenderiam a
perpetuar−se. Se um grupo crescesse em quantidade tal que seu território fosse insuficiente, é
provável que entrasse em conflito com algum grupo vizinho, e nessas contendas alguma vantagem
biológica que um grupo gerador houvesse adquirido sobre o outro devia dar−lhe a vitória, e
portanto perpetuar sua variação benéfica. Tudo isso foi exposto de modo muito convincente por Sir
Arthur Keith. E evidente que nossos primitivos e inermes antepassados humanos não podem ter
agido segundo prática preconcebida e deliberada, mas devem ter sido incitados por um mecanismo
instintivo − o dúplice mecanismo que consiste de amizade no seio do próprio grupo e hostilidade
para com o grupo estranho. Como cada tribo primitiva era pequena, cada indivíduo devia conhecer
intimamente todos os demais, de modo que o sentimento de amistosidade devia ser extensivo às
relações mutuamente mantidas.
O mais forte e o mais instintivamente obrigatório dos grupos sociais era, e ainda é, a família. A
família é necessária entre os seres humanos devido à longa duração da infância, e pelo fato de que
a mãe dos lactantes leva grande desvantagem no trabalho de colher alimentos. Foi essa
circunstância dos seres humanos, como da maioria das espécies de pássaros, que fez do pai um
membro essencial do grupo familiar. Isto deve ter levado a uma divisão do trabalho na qual os
homens se encarregavam da caça e as mulheres ficavam nas tarefas domésticas. A transição da
família à pequena tribo esteve presumivelmente relacionada biologicamente com o fato de que a
caça podia ser mais eficiente se fosse feita em cooperação, e desde os tempos mais recuados a
coesão da tribo deve ter sido intensificada e desenvolvida pelos conflitos com outras tribos.
Os restos que têm sido descobertos dos primeiros homens e meio−homens são agora
suficientemente numerosos para dar um quadro perfeitamente claro dos estágios da evolução,
desde o símio antropóide mais evoluído até o mais primitivo dos seres humanos. Os mais antigos
restos indubitavelmente humanos descobertos até agora calcula−se pertencerem a uma época de
cerca de um milhão de anos atrás, mas por muitos milhões de anos antes daquela época parece
ter havido antropóides que viviam no solo e não em árvores.
O aspecto mais característico pelo qual se determina a situação evolucionária desses primitivos
antepassados consiste na dimensão do cérebro, que aumentou muito rapidamente até que atingiu
sua capacidade atual, mas que agora tem estado virtualmente estacionário por centenas de
milhares de anos. Durante essas centenas de milhares de anos o homem aprimorou−se em
conhecimento, em destreza adquirida e em organização social, mas não, tanto quanto se pode
julgar, em capacidade intelectual congênita. Aquela evolução puramente biológica, até onde
podemos avaliar pelos fósseis, completou−se há muito tempo. Por conseguinte, é de se supor que
nosso equipamento mental congênito, em comparação com aquilo que podemos aprender, não é
comparativamente muito diferente do aparelhamento mental do homem do paleolítico. Ao que
parece, temos ainda os instintos que levaram o homem, antes que seu comportamento se tornasse
deliberado, a viver em pequenas tribos, numa aguda antítese de amizade no seio da própria tribo e
hostilidade com tribos de fora. As transformações que se têm verificado desde aqueles tempos
remotos tiveram que depender, para a sua força norteadora, em parte dessa base primitiva de
instinto, e em parte de um ocasional sentido escassamente consciente de interesse coletivo.
Uma das coisas que ocasiona tensão e angústia na vida social humana é que até certo ponto é
possível adquirir consciência de bases racionais para um comportamento não incitado pelo instinto
natural. Mas quando esse comportamento força muito gravemente o instinto, a natureza se vinga
ao produzir apatia ou destrutividade, uma ou outra das quais pode ocasionar uma situação
tendente ao colapso, inspirada pela razão.
A coesão social, que se iniciou com a lealdade a um grupo, imposta pelo medo de inimigos,
aumentou por processos parcialmente naturais e parcialmente deliberados, até que atingiu os
vastos conglomerados de gente que hoje conhecemos como nações. Várias forças contribuíram
para esses processos. Num estágio muito primitivo, a lealdade ao grupo deve ter sido reforçada
pela lealdade a um chefe. Numa tribo grande, o chefe ou rei deve ser conhecido de todos, mesmo
quando os indivíduos sejam não raro estranhos uns aos outros. Deste modo, a lealdade pessoal
comparada com a lealdade tribal possibilita um aumento no tamanho do grupo sem violentar o
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